quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Tecnicidades, Identidades, Alteridades

Foi passada a leitura de dois textos do livro Sociedade Midiatizada, Dênis de Moraes (org):
- Comunicação Social e Mudança Tecnológica: Um cenário de múltiplos desordenamentos de Guillermo Orozco Gómez
e
- Tecnicidades, Identidades, Alteridades: Mudanças e opacidades da comunicação no novo século.
de Jesús Martín-Barbero

Partindo de uma análise do atentado de 11 Setembro em NY e do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, o autor considera a comunicação, “neste malfadado começo de século” (que mau fado é esse?) Citou as “oportunidades estratégicas” da digitalização e da “configuração de um novo espaço público e de cidadania” (acho tudo isso muito bom...), “presa entre fortes mudanças e densas opacidades” (até ai...). Cita Habermas, que “vê emergir a razão comunicativa” e propõe pensar a “hegemonia comunicacional do mercado na sociedade”, ou “a conversão da comunicação no mais eficaz motor do deslanche e inserção das culturas – étnicas, nacionais ou locais – no espaço/tempo do mercado e das tecnologias”, e também “o novo mapa que essas tensões desenham entre as mutações tecnológicas, as explosões e implosões das identidades e as reconfigurações políticas das heterogeneidades.”

Atenta para uma tendência ao isolamento da comunicação, “autismo epistêmico”, e segue no desenho de “um dos mapas indispensáveis na multidimensionabilidade de seus eixos temáticos e na transversatilidade de seus planos de análises.”

I. A mediação tecnológica do conhecimento na produção social
Cita Manuel Castells ,
“O que está mudando não é o tipo de atividades nas quais participa a humanidade, mas, sim, sua capacidade de utilizar como força produtiva o que distingue a nossa espécie como rareza biológica, sua capacidade de processar símbolos”.
Entendo que “o tipo de atividades” que a humanidade participa está mudando sim, afinal o mundo virtual tem possibilitado inúmeras novas atividades, novas dinâmicas sociais... o que não tem mudado é a nossa capacidade de utilizar produtivamente o processamento de símbolos sensíveis. Estamos em evolução... constantemente expandindo nossa cultura, inclusive ampliando nossos meios de comunicação... nossos signos... nossos significados...

Barbero inicia “Dois processos estão transformando radicalmente o lugar da cultura em nossas sociedades:
Revitalização das identidades e
revolução das tecnicidades
.”
O autor é um estudioso da América-latina, não sei se quando fala em “nossas sociedades” está se referindo a essa realidade... me incomoda as generalidades porque apesar de entender a “aldeia global” proposta por McLuhan como frase de “impacto sensorial” tenho consciência de que boa parte da humanidade, mais da metade ainda não tem acesso a informática, vi em algum lugar uma projeção de que apenas 1/3 tem acesso a TI... nossos problemas globais ainda são bem grandes, no Word Clock encontramos dados bem interessantes, como os pontos de internet corresponderem a menos de 1/7 da população mundial.


Poodwaddle.com
Estatísticas também na World Health Organization Statistical Information System

Concordo que “os processos de globalização econômica e informacional estão reavivando as identidades culturais“ e “estão reconfigurando a força e o sentido dos laços sociais, e as possibilidades de convivência nacional e ainda no local.” Acredito de convivência mundial, a conexão é global, o espaço em que podemos atuar está sendo reformulado...

A Revolução das Tecnicidades como “um novo modo de produzir, confusamente associado a um novo modo de comunicar, transforma o conhecimento numa força produtiva direta." Não entendi o “confusamente” nem o que significa essa “força produtiva direta”, em algum momento o conhecimento, o saber, não foi uma “força produtiva direta”?

Cita J.Echeverría, Gh.Chartron, A.Reneaud, e escreve que a tecnologia “está conduzindo a um forte apagamento de fronteiras entre razão e imaginação, saber e informação, natureza e artifício, arte e ciência, saber experiente e experiência profana.” Só espero que esse “apagamento de fronteiras” se refira a um relativismo de significados e não a um caos conceitual, pois as palavras tem significados que precisam ser considerados se pretendemos promover uma comunicação bem sucedida.

Em “1. Peculiaridades latino-americanas da sociedade do conhecimento”, nos identifica também como “sociedades do desconhecimento”, “do não reconhecimento da pluralidade dos saberes e concorrências culturais”. Contextualizando o fato de que “nossos povos podem assimilar as imagens da modernidade que as mudanças tecnológicas, “mas é em outro ritmo, bem mais lento e doloroso, que podem recompor seus sistemas de valores, de normas éticas e virtudes cívicas. ” Quero acreditar que as novas tecnologias estejam agilizando essa recomposição dos nossos sistemas de valores...

Em “2. Aparição de um meio educacional difuso e descentrado”, escreve sobre a “transformação nos modos de circulação do saber (J.Rifkin, H. Fischer)”.
Achei bem interessante a colocação sobre a “reintegração cultual da dimensão separada e desvalorizada pela racionalidade dominante no Ocidente desde a invenção da escrita e do discurso lógico, isto é, a do mundo dos sons e das imagens relegado ao âmbito das emoções e expressões.”
“o hipertexto hibridiza a densidade simbólica com a abstração numérica, fazendo com que se reencontrem as duas, até agora ”opostas”, partes do cérebro (F. Varela, E. Thompson e E. Rosch). Daí que o número está passando de mediador universal do saber a mediação técnica do fazer estético o que por sua vez revela a passagem da primazia sensório-motriz à sensório-simbólica.”

Em 3. Mudanças nos mapas trabalhistas e profissionais”, expõe as novas configurações que se estabelecem entre o trabalhador e a empresa, cujos vínculos estão desaparecendo, gerando um “novo profissional disposto à permanente reconversão de si mesmo, e isso num momento em que tudo na sociedade faz do individuo um sujeito inseguro, cheio de incertezas, com tendências muito fortes à depressão ao estresse afetivo e mental.” E conclui que ”o valor e o sentido do trabalho profissional passa a se vincular a uma criatividade e a uma flexibilidade atadas a lógica mercantil da competitividade que enlaça confusamente saber e rentabilidade.” Achava que a ‘estabilidade empregatícia’ fosse uma conquista recente, e que criatividade e flexibilidade para se sustentar fazem parte da cultura humana desde os primórdios...

Sociedade Midiatizada

Na 3ª aula foi apresentado o livro Sociedade Midiatizada (Editora Mauad), organizado por Dênis de Moraes, 2006 que reune artigos de dez autores.
Em SOCIEDADE PLUGADA A tecnomitologia em tempo real o autor escreve sobre o livro.
“...a expectativa implícita no debate das idéias é a de vislumbrarmos expressões de vida e horizontes criativos para além das satisfações descartáveis, na contramão das certezas fúteis.”

Lemos apontamentos do artigo Eticidade, campo comunicacional e midiatização de Munis Sodré, que integra o livro, e procurando na web encontrei esse texto Eticidade, campo comunicacional (Sobre a construção do objeto) onde as passagens são idênticas, talvez ele tenha revisado... Gosto muito do estilo explicativo do autor que ao desenvolver suas reflexões está sempre esclarecendo o significado dos termos que usa... muito bom porque nos leva a pensar por um caminho onde os elementos vão sendo apresentados e vão tomando forma...
Alguns pontos...
“ É preciso esclarecer o alcance do termo "midiatização", devido à sua diferença com "mediação" que, por sua vez, distingue-se sutilmente de "interação", forma operativa do processo mediador. Com efeito, toda e qualquer cultura implica mediações simbólicas, que são linguagem, leis, artes, etc. Está presente na palavra mediação o significado da ação de fazer ponte ou fazer comunicarem-se duas partes (o que implica diferentes tipos de interação), mas isto é na verdade decorrência de um poder originário de descriminar, de fazer distinções, portanto de um lugar simbólico, fundador de todo conhecimento. A linguagem é por isto considerada mediação universal.”

“ Já midiatização é uma ordem de mediações socialmente realizadas - um tipo particular de interação, portanto, a que poderíamos chamar de tecnomediações - caracterizadas por uma espécie de prótese tecnológica e mercadológica da realidade sensível, denominada medium. Trata-se de dispositivo cultural historicamente emergente no momento em que o processo da comunicação é técnica e mercadologicamente redefinido pela informação, isto é, por um produto a serviço da lei estrutural do valor, também conhecida como capital.”

“ A midiatização implica, assim, uma qualificação particular da vida, um novo modo de presença do sujeito no mundo ou, pensando-se na classificação aristotélica das formas de vida, um bios específico. Em sua Ética a Nicômaco, Aristóteles concebe três formas de existência humana (bios) na Polis: bios theoretikos (vida contemplativa), bios politikos (vida política) e bios apolaustikos (vida prazerosa). A midiatização pode ser pensada como um novo bios, uma espécie de quarta esfera existencial, com uma qualificação cultural própria (uma "tecnocultura"), historicamente justificada pelo imperativo de redefinição do espaço público burguês.”

“ A questão inicial é a de se saber como essa qualificação atua em termos de influência ou poder na construção da realidade social (moldagem de percepções, afetos, significações, costumes e produção de efeitos políticos) desde a mídia tradicional até a novíssima, baseada na interação em tempo real e na possibilidade de criação de espaços artificiais ou virtuais.”

“ Mas a prescrição moral-midiática é difusa, sem linearidade discursiva ou regulamentação explícita, de certo modo semelhante ao que Lyotard chama de diferendo, isto é, uma situação carente de regra de juízo estável, incapaz de solucionar um conflito. Semelhante também, vale observar, à lógica não-sequencial ou "caótica" do hipertexto cibernético, diante do qual a postura cognitiva mais adequada ao usuário é da "exploração" interpretativa, em vez da dedução de verdades. Nenhuma hierarquia discursiva organiza os regimes heterogênos de expressões da mídia, assim como não existe um agendamento homogêneo de seus conteúdos.”


Também vimos fragmentos de Koyaanisqatsi filme de Geofrey Reggio, produção de Francis Ford Coppola, música de Philip Glass, e fotografia de Ron Fricke - que depois dirigiu Baraka (1992), seguindo a mesma linha de imagens sonorizadas, sendo o tema mais ‘espiritual’ - me identifico mais.

Koyaanisqatsi é o primeiro da trilogia Quatsi – as palavras tem origem indígena Hopi – com uma narrativa visual dinâmica, imagens e sons nos levam a refletir sobre o modelo de sociedade urbana em que muitos vivem... Já tinha visto, assim como o Powaqqatsi... são filmes que cada vez que se vê se percebe novos elementos, sendo que as imagens são bem marcadas pelo ritmo da excelente trilha sonora...

Koyaanisqatsi: Life Out Of Balance (Vida Em Desequilíbrio), 1983




Powaqqatsi : Life in transformation (vida em transformação), 1988


Naqoyqatsi : Life as War (vida em guerra), 2002